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Como evitar que o vício no celular acabe com sua produtividade

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Em 2016, um médico disse ao paranaense Adriano Santos que seu corpo não era o de um homem de sua idade. Clinicamente, seu organismo parecia estar uma década à frente: em vez de 35 anos, o físico era o de uma pessoa de 45. Sobrepeso, hipertensão e depressão em estágio inicial compunham o quadro. Se nada fosse feito, no ritmo em que estava, Adriano poderia perder anos de vida.

O diagnóstico assustou o fundador da startup Empari Global Innovation, de softwares e aplicativos para gestão de pequenas e médias empresas. Sua primeira atitude foi investigar os hábitos para entender de onde vinham tantos problemas, pois não existia nenhuma doença crônica diagnosticada.

Ao olhar sua rotina, algo ficou claro: o uso exagerado da tecnologia estava acabando com sua saúde. “Dormia às 5 horas para acordar às 9, todos os dias. Ficava programando e olhando as redes sociais ao mesmo tempo. Minha ansiedade era muito grande e eu a descontava na mídia social, no WhatsApp e no e-mail”, afirma Adriano, que abraçou uma profunda mudança de comportamento e hoje está saudável.

Assim como Adriano, pessoas estão adoecendo por causa do excesso de conectividade e se tornando dependentes da tecnologia — prova disso é o levantamento feito pela Motorola em parceria com Nancy Etcoff, psicóloga especializada em comportamento cognitivo da Universidade Harvard.

A fabricante de celulares ouviu 20 000 brasileiros e descobriu que 41,5% deles estão viciados em seus telefones (para descobrir se você também integra esse time, faça o teste do Instituto Delete: bit.ly/teste_celular).

No entanto, muitos não percebem que, sem um uso equilibrado, poderão sofrer graves consequências. Várias pesquisas mostram que estar 100% do tempo online auxilia no surgimento de doenças como ansiedade, depressão, estresse, déficit de atenção e até transtorno obsessivo-­compulsivo.

Um estudo alarmante, conduzido por professores da Universidade de Seul, diz que quem se tornou dependente de smartphone tem níveis menores do ciclo de glutamato-glutamina (série de eventos mentais responsável por energizar os neurônios) e níveis mais altos de Gaba, neurotransmissor que inibe os neurônios. Resultado: nervosismo, insônia e falta de foco.

Não há como voltar atrás no desenvolvimento da tecnologia. Só que dá para acender o sinal de alerta e entender que os riscos do exagero são graves.

Mais do que isso. É preciso compreender que smartphones, aplicativos, redes sociais, relógios inteligentes, videogames, tablets e notebooks são mais viciantes do que imaginamos — e que isso prejudica nossa produtividade e criatividade, o que é péssimo para os negócios e para a carreira.

“Estamos vivendo uma transformação que alguns comparam com a descoberta do fogo há 2 milhões de anos. Somos testemunhas oculares de uma mudança paradigmática em que cada vez mais a inteligência artificial se torna presente”, diz Cristiano Nabuco, psicólogo e coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica do Programa dos Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da Facul­dade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Tem a parte positiva, claro. A tecnologia auxilia no desenvolvimento da ciência, da medicina, da agricultura, da indústria e na disseminação do conhecimento.

Existe, porém, o outro lado da moeda. Se você faz parte dos 68% que pegam o celular assim que abrem os olhos, de acordo com levantamento da revista Time, ou dos surpreendentes mesmos 68% que acionam o aparelho ainda dormindo, segundo pesquisa da consultoria Deloitte, certamente está sucumbindo à tentação da conexão 24/7 (24 horas por sete dias da semana).

E talvez comece a perceber os efeitos nocivos dessa interação constante e concorde com o que a jornalista americana Catherine Price diz em Celular: Como Dar um Tempo (Fontanar), recém-lançado no Brasil: “Ao mesmo tempo que estamos ocupados, também nos sentimos ineficientes. Estamos conectados, mas somos solitários. A tecnologia que nos dá liberdade também funciona como uma prisão — quanto mais ficamos presos, nos perguntamos com mais frequência quem está realmente no controle. O resultado é uma tensão paralisante”.

Mesmo antes de termos mais de um smart­phone ativo por habitante no Brasil (ou 220 milhões de aparelhos), havia viciados em tecnologia. O problema é que esses dispositivos são mais perigosos do que os PCs simplesmente porque não ficam presos a uma mesa.

Podem estar ao nosso lado conforme nosso desejo, vibrando o tempo todo em nossas mãos. Vibram tanto que nove em cada dez pessoas já sentiram a “síndrome do celular fantasma”, quando acham que seus dispositivos estão tocando mesmo quando estão estáticos, de acordo com um teste feito no Instituto de Tecnologia da Georgia.

“Por serem móveis, causam mais dependência. Há o fato de que podemos fazer qualquer coisa com eles, pois existem aplicativos para tudo, e isso os torna ainda mais viciantes”, afirma a psicóloga americana Kimberly Young, fundadora do Centro de Vício em Internet e uma das primeiras pesquisadoras do mundo sobre o assunto. Por que tanto impulso por olhar o dispositivo? Porque os cérebros estão sendo treinados para isso.

Da felicidade à ansiedade

A mente está sempre em busca do bem-estar. É uma questão evolutiva. Para sobreviver, corremos atrás daquilo que nos agrada. Uma das maneiras mais eficazes de alcançar essa sensação é por meio da produção de dopamina, o famoso hormônio da felicidade, liberado quando nos sentimos recompensados.

Funciona assim: um comportamento X leva a uma consequência Y, e isso traz alegria. Por exemplo, quando você entrega um trabalho e recebe um elogio, seu cérebro vai soltar dopamina, você se sentirá feliz e tentará repetir a tática para conquistar o mesmo efeito.

Até aí, só vantagem. O problema é que podemos associar a recompensa a atitudes negativas. Um dos exemplos clássicos é o da máquina de caça-níqueis. Quando alguém joga nesse aparelho, experimenta uma série de tentativas frustradas. Mas, se em algum momento cinco abóboras se alinharem no visor, a pessoa terá ganhado o jogo, e o corpo vai comemorar com uma boa quantidade de dopamina.

O comportamento de apertar incessantemente os botões (ou de puxar a alavanca) levou ao cumprimento de um objetivo, e isso nos deixa animados. No entanto, se passarmos horas a fio correndo atrás do jackpot, vamos ficar dependentes de doses cada vez mais altas do hormônio.

Tudo isso, além de causar uma possível dependência, pode levar a extremos de ansiedade. Em Celular: Como Dar um Tempo, Catherine Price escreve que “o psicólogo Larry Rosen, da Universidade do Estado da Califórnia, afirma que o telefone provoca ansiedade de modo deliberado ao proporcionar novas informações e gatilhos emocionais toda vez que pegamos o aparelho. Isso nos faz ter medo de que, cada vez que os largamos, mesmo por um segundo, percamos algo.

O termo leigo para essa ansiedade é Fomo (fear of missing out, ou “medo de perder alguma coisa”). Os seres humanos sempre sofreram de Fomo. Mas éramos protegidos de desenvolver uma infecção total pelo fato de que, até o surgimento dos smartphones, não havia nenhum jeito de saber o que estávamos perdendo”.

Passamos o tempo todo apavorados por causa da probabilidade de estarmos desatualizados. Uma pesquisa aplicada por VOCÊ S/A em parceria com a consultoria de recrutamento Talenses, com 620 profissionais de todo o Brasil, descobriu que 41% têm esse temor quando são obrigados a se separar dos smartphones, 29% se sentem ansiosos e apenas 16% relaxam.

A conexão total leva a um efeito rebote. “Ficamos convencidos de que a única maneira de nos proteger do Fomo é olhar o celular a todo o momento para ter certeza de que não estamos perdendo nada. Mas, em vez de aliviar a ansiedade, essa prática a estimula de tal forma que as glândulas ad-renais acabam por liberar uma rajada de cortisol — um hormônio de estresse que tem papel importante em situações de luta ou fuga — toda vez que largamos o celular”, explica Catherine em seu livro. Na busca por aliviar a ansiedade, o que se encontra é apenas mais ansiedade.

Tudo isso, além de causar uma possível dependência, pode levar a extremos de ansiedade. Em Celular: Como Dar um Tempo, Catherine Price escreve que “o psicólogo Larry Rosen, da Universidade do Estado da Califórnia, afirma que o telefone provoca ansiedade de modo deliberado ao proporcionar novas informações e gatilhos emocionais toda vez que pegamos o aparelho. Isso nos faz ter medo de que, cada vez que os largamos, mesmo por um segundo, percamos algo.

O termo leigo para essa ansiedade é Fomo (fear of missing out, ou “medo de perder alguma coisa”). Os seres humanos sempre sofreram de Fomo. Mas éramos protegidos de desenvolver uma infecção total pelo fato de que, até o surgimento dos smartphones, não havia nenhum jeito de saber o que estávamos perdendo”.

Passamos o tempo todo apavorados por causa da probabilidade de estarmos desatualizados. Uma pesquisa aplicada por VOCÊ S/A em parceria com a consultoria de recrutamento Talenses, com 620 profissionais de todo o Brasil, descobriu que 41% têm esse temor quando são obrigados a se separar dos smartphones, 29% se sentem ansiosos e apenas 16% relaxam.

A conexão total leva a um efeito rebote. “Ficamos convencidos de que a única maneira de nos proteger do Fomo é olhar o celular a todo o momento para ter certeza de que não estamos perdendo nada. Mas, em vez de aliviar a ansiedade, essa prática a estimula de tal forma que as glândulas ad-renais acabam por liberar uma rajada de cortisol — um hormônio de estresse que tem papel importante em situações de luta ou fuga — toda vez que largamos o celular”, explica Catherine em seu livro. Na busca por aliviar a ansiedade, o que se encontra é apenas mais ansiedade.

Os autores explicam que, por poderem ser acessados de qualquer lugar, os e-mails geram uma sensação de sobrecarga, pois os funcionários se envolvem continuamente com o trabalho mesmo longe do escritório — o que inibe a capacidade de desconexão psicológica. “A mobilidade não significa que sejamos obrigados a estar o tempo todo disponíveis”, diz Beatriz Maria Braga, professora de gestão de pessoas na escola de negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp).

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O cérebro simplesmente não aguenta operar assim, pois precisa terminar tarefas para relaxar. Em psicologia, esse processo é chamado de “fechar as gestalts”, aquelas famosas figuras em preto e branco em que vemos ora dois rostos, ora dois vasos. Quando conseguimos identificar um dos desenhos, a mente percebe que realizou uma tarefa e está pronta para começar outra.

Biologicamente, o cérebro só se aprofunda quando faz uma coisa por vez. “O processo de alternar as informações mentais por causa do estímulo de um celular, por exemplo, é custoso. Isso cria uma alta carga emocional, que se transforma em desgaste mental”, diz Cristiano, da USP.Há também o fato de que, nas telas, a assimilação de conteúdo é diferente.

A consultoria Nielsen Norman Group mapeou (usando a técnica de eyetrackers) a leitura digital de cerca de 300 pessoas e encontrou um padrão.No computador ou num dispositivo móvel, os olhos trabalham fazendo um movimento em “F”, ou seja, veem rapidamente o conteúdo da esquerda para a direita e descem rapidamente até o pé da página.

Isso ocorre porque os usuários estão tentando ser mais eficientes e não estão comprometidos a ler todas as palavras do texto.A leitura dinâmica se torna o padrão. Desse modo, porém, a informação não fica gravada. “Para sair da superficialidade, a informação precisa funcionar como se fosse um conta-gotas: conforme eu leio, ela pinga no gargalo de reflexão.

Quando reflito, ela ancora em dados prévios, gerando conhecimento. Na leitura em ‘F’, isso não acontece”, afirma o psicólogo da USP.Talvez por tudo isso o QI dos jovens esteja caindo. Mesmo com um volume maior de informações, os níveis de inteligência declinaram 2 pontos entre 1980 e 2008, de acordo com levantamento do professor James Flynn, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia. E o mesmo tem acontecido no Brasil.Uma pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo mapeou que o uso do celular atrapalha o desenvolvimento dos estudantes universitários.

A cada 100 minutos diários de navegação no celular, os alunos perdem, em média, 6,3 pontos no ranking de classificação da universidade. Isso se usarem o aparelho em casa. Caso utilizem dentro da sala de aula, a queda chega a 12 pontos. O impacto na aprendizagem é grande e, por isso, a França proibiu a entrada de celulares e tablets nas escolas públicas do país — uma “medida de desintoxicação contra a distração”, de acordo com o Parlamento francês. 

Silêncio interior

Esses dados mostram que estamos nos transformando na geração da superficialidade. Mas a atenção é um ativo precioso demais para ser tão negligenciado. Sem ela, não experimentamos nada com profundidade.

E, sem viver alguma coisa por inteiro, fica impossível criar as memórias de longo prazo, aquelas que realmente se enraízam e com as quais podemos contar para concatenar uma informação com a outra, solucionar problemas e ter novas ideias. “Só vivenciamos aquilo em que prestamos atenção.

Quando decidimos no que prestar atenção em determinado momento, tomamos uma decisão mais ampla, de como queremos viver a vida (…). O celular nos absorve num estado intensamente focado de distração”, afirma Catherine em um trecho de seu livro.O antídoto é se reconectar consigo mesmo e criar momentos em que a tecnologia seja realmente deixada de lado.

Claro que, no mundo do entretenimento contínuo, a tarefa não é tão simples assim. Ficar sozinho para refletir, concretizar memórias e tomar decisões complexas — ou simplesmente para deixar o barulho do mundo do lado de fora — requer uma grande luta interna.Isso foi comprovado em um estudo feito pela universidades Harvard e da Virgínia.

Os cientistas queriam ver como 42 pessoas reagiriam se precisassem ficar sozinhas e caladas num quarto sem nenhuma distração por 15 minutos. Elas poderiam ficar sem fazer nada ou levar um choque só para fazer o tempo passar. Todas experimentaram a descarga elétrica (leve, mas dolorosa) antes de decidir.Para surpresa dos cientistas, 43% preferiram a dor ao isolamento.

E um dos participantes estava tão entediado que ministrou 18 choques em si mesmo. Como dizia o filósofo Blaise Pascal (1623-1662), nos aprofundar em nossas questões mais íntimas (como a mortalidade e a ignorância) é tão doloroso para os seres humanos que preferimos fugir desses assuntos — e de nós mesmos.

Foto | Germano Lüders (Divulgação)

ESTABELECENDO LIMITES

O engenheiro Rafael Viñas, de 34 anos, tinha a sensação de estar perdendo alguma coisa caso não estivesse online. Por isso, ficava horas a fio navegando nas redes sociais e assistindo a vídeos no Youtube. Mas essa rotina o colocou numa enrascada há quatro anos. “Atrasei a entrega da dissertação de mestrado porque tinha uma necessidade muito grande de ficar conectado.”Depois do episódio, Rafael percebeu que era preciso dosar o uso da tecnologia para não comprometer outras áreas de sua vida.

Analista de sustentabilidade na Fundação Espaço Eco, da Basf, e trabalhando em regime de home office, ele sofreu durante o processo. “Tinha medo de ficar desatualizado, tentava assistir a todos os vídeos possíveis antes de ir dormir e deitava tarde. Ficava cansado e ansioso por mais informação.

Quanto mais você procura e posta determinado tipo de informação na rede, mais aparecem sugestões de conteúdo sobre o tema, e assim o algoritmo devolve aquilo que interessa.”Para lutar contra isso, Rafael fez uma limpeza em suas redes sociais, diminuiu o número de pessoas e instituições que segue; conecta o Youtube só nos fins de semana e faz cursos offline (já participou de aulas de fotografia e gastronomia). “Muitas vezes, fazer uma atividade presencial é mais satisfatório do que consumir um texto ou vídeo online. É libertador.”

Publicado originalmente em Exame

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